Texto de Daniel Machado
Inicialmente, é necessário definir que metalbolismo são o conjunto de reações que ocorrem no organismo na tentativa manter a homeostase. Após uma cirurgia, principalmente de grande porte, ou um trauma ocorrem algumas alterações metabólicas no organismo, decorrendo da resposta neuroendócrina e imunobiológica do corpo. Ocorre uma resposta sistêmica, na qual hormônios e citocinas induzem um aumento do consumo de proteínas (proteólise) e um aumento do consumo energético, na tentativa de manter a homeostase no organismo. Na prática clínica, diante de tantas alterações metabólicas, muitas vezes, se faz necessária terapia nutricional adequada na tentativa de minimizar os danos causados pela resposta metabólica ao trauma e pelas complicações que podem surgir em pacientes cirúrgicos, sendo, por tanto, fundamental a compreensão de todas essas alterações.
A desnutrição proteico-calórica se desenvolve gradualmente em semanas ou meses. Isto permite uma série de adaptações metabólicas e de comportamento que resultam na diminuição da demanda de nutrientes e em equilíbrio nutricional compatível com um nível mais baixo de nutrientes celulares disponíveis. A resposta metabólica à inanição consiste em alterações hormonais e em disponibilidade de substratos. Estas alterações adaptativas tendem a manter a homeostase da glicose no estágio agudo (jejum de curto período) e no jejum prolongado. Quando um indivíduo sofre um trauma (queimadura, sepse, cirurgia), ocorrem alterações metabólicas que levam a um estado hipermetabólico e hipercatabólico, de forma que o estímulo do estresse amplia as alterações observadas no jejum de curto período.
Durante o jejum de curto período, ocorre a redução da glicemia e dos aminoácidos livres no plasma que, por sua vez, reduzem a secreção de insulina e aumentam a de glucagon, bem como provocam a liberação de epinefrina, a qual reduz ainda mais a secreção de insulina. Em virtude dos baixos níveis de glicemia, o fígado deixa de remover a glicose na circulação portal. À medida que diminuem os níveis de glicose portal, o fígado passa a produzir glicose a partir do glicogênio hepático e muscular e dos precursores gliconeogênicos (lactato, glicerol e aminoácidos, principalmente alanina e glutamina). Os depósitos de glicose são limitados e, assim, os glicogênios, hepático e muscular, são rapidamente depletados após 15 horas de jejum. O cérebro, porém, utiliza como principal combustível oxidativo a glicose. Diante dessa necessidade, a proteína muscular passa a ser degradada para fornecer aminoácidos e permitir a gliconeogênese. Promovendo uma intensa proteólise, com consumo da massa muscular magra.
À medida que o jejum se prolonga de dias a semanas, passa a ocorrer um mecanismo de adaptação metabólica na tentativa de conservar a massa proteica corpórea, com a limitação do uso de aminoácidos para a gliconeogênese, passando a ocorrer oxidação das gorduras pelos tecidos. Essa adaptação promove a formação dos corpos cetônicos que passam a ser o novo combustível para o cérebro (hipercetonemia adaptativa ao jejum). Esse mecanismo adaptativo mostra-se fundamental já que se a velocidade de metabolismo proteico destinado a fornecer glicose para o cérebro continuasse no mesmo ritmo, a morte aconteceria no 10 dia, já que uma perda protéica maior que 40% está associada à morte por desnutrição.
A resposta metabólica ao trauma é uma sequência de alterações orgânicas complexas e integradas, que têm por objetivo a manutenção da homeostase e a cicatrização de feridas o mais rapidamente possível. Os efeitos metabólicos no trauma diferem daqueles que ocorrem no jejum simples, devido à ativação de sistemas neurais e endócrinos, que aceleram a perda de tecido muscular magro e inibem a ceto-adaptação. Após uma lesão, o tronco encefálico, os centros talâmicos e centros corticais são ativados, estimulando o hipotálamo. Em consequência, a estimulação hipotalâmica desencadeia uma descarga neural e endócrina combinada, o que provoca aumento das concentrações de norepinefrina, epinefrina, aldosterona, ADH, insulina, glucagon, ACTH, TSH e GH, provocando elevações secundárias de cortisol, hormônio tireóideo e somatomedinas. A secreção neuroendócrina intensificada produz:
1 – Lipólise periférica
2 – Catabolismo acelerado
3 – Redução da captação de glicose
Tais efeitos resultam na elevação plasmática acentuada de ácidos graxos livres, glicerol, lactato e aminoácidos. O fígado responde por um aumento da captação de substratos e produção de glicose, em virtude da glicogenólise estimulada pelo glucagon e da gliconeogênese aumentada pelo cortisol e glucagon. Ocorre hiperinsulinemia, porém um defeito pós-receptor leva à resistência insulínica. Esta produção acelerada de glicose no fígado e rins, juntamente com a captação periférica inibida, produz um estado hiperglicêmico no politraumatizado. O rim retém água e sódio avidamente, devido aos efeitos do ADH e da aldosterona. A excreção de nitrogênio urinária aumenta, devido a perda de tecido magro (proteólise). Sem nutrientes exógenos, em vigência da degradação protéica importtante, a sobrevida mediana nestas circunstâncias é de aproximadamente 27 dias. A diferença nas respostas metabólicas a um traumatismo acidental e uma cirurgia eletiva está relacionada com a intensidade do estímulo neuroendócrino. O uso de analgesia e a imobilização de membros lesados reduzem a intensidade dos estímulos neuroendócrinos, ajudando a poupar a perda de tecido muscular. A resposta metabólica ao trauma resulta em mobilização exagerada dos substratos metabólicos, ressaltando-se a proteólise compulsória proporcional a concentrações de mediadores pró-inflamatórios, e a ausência dos mecanismos adaptativos, tais como a ceto-adaptação, que ocorrem no jejum prolongado
Na sepse ocorre secreção aumentada da tríade hormonal catabólica: catecolaminas, glicocorticoides e glucagon, levando ao estado hipermetabólico e hipercatabólico. O quadro clínico de sepse com esse estado metabólico acelerado, que responde com dificuldade ao aporte nutricional e é francamente consumptivo, pode levar à deterioração letal das reservas proteicas do organismo. A secreção aumentada de catecolaminas, glicocorticóides e glucagon desequilibram o balanço insulina-glucagon, bloqueando as ações da insulina e seus efeitos anabólicos. Apesar de ocorrer hiperinsulinemia, surge uma hiperglicemia, decorrente de uma resistência periférica à insulina. Como o excesso de açúcar no sangue promove inflamação, tem-se nesses pacientes um ciclo vicioso, com a perpetuação do processo inflamatório que pode evoluir para disfunção de múltiplos órgãos e morte, se não adequadamente tratados. Além das alterações endócrino-metabólicas, mediante ao quadro séptico, diversas citocinas e eicosanóides (prostaglandinas e leucotrienos) encontram-se aumentadas, corroborando para o estado inflamatório do hospedeiro. Dentre as citocinas têm-se como principais: IL-1, IL-6, TNF-alfa (Fator de Necrose Tumoral). O hormônio polipeptídeo IL-1 promove proteólise, febre, elevação dos níveis de corticosteroides, aumenta a secreção de insulina, promove a hipoferremia e a síntese de proteínas de fase aguda pelo fígado. A IL-6, induzida por agentes bacterianos e citocinas como IL-1 e TNF-alfa, funciona como principal fator na diferenciação dos linfócitos B em plasmócitos e estimula a produção de proteínas de fase aguda. Ocorre então um desvio na síntese proteica hepática para produção de proteínas de fase aguda em detrimento da síntese de albumina, e pacientes sépticos evoluem com hipoalbuminemia proporcional à severidadeda resposta inflamatória sistêmica induzida pelo trauma/sepse. O TNF-alfa, principal mediador imunológico da sepse, promove o aumento da glicemia, o aumento de glicerol, causa hipertrigliridemia através da inibição da lipase lipoproteica tecidual, estimula a redistribuição da proteína de reserva tecidual para o fígado para a produção de proteínas de fase aguda, além de estimular a quimiotaxia através de neutrófilos. Clinicamente, o TNF-alfa causa anorexia, febre e calafrios. Com o papel de sinalizador para as alterações endócrino-metabólicas ocorre a instalação de Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SRIS), que apresenta três momentos. Na fase inicial, ocorre predominância dos mediadores pró-inflamatórios (SRIS), como contra-resposta inicia-se uma fase anti-inflamatória; entre estas duas fases ocorre uma resposta mista com presença de mediadores inflamatórios e anti-inflamatórios de maneira simultânea. Durante esta última fase, ocorre a disfunção de órgãos (SDMO) que, em última análise, leva os pacientes sépticos ao óbito. Ainda durante a sepse, observa-se nesses pacientes uma intensa agressão ao tubo digestivo, através da formação de úlcera de estresse no estômago e pelos danos vistos no intestino. Devido à liberação de toxinas, subprodutos de bactérias, microorganismos passam para a circulação sistêmica, devido à perda funcional e estrutural da barreira mucosa intestinal. Este fenômeno, conhecido como translocação bacteriana, é passível de ocorrer nesses indivíduos. Desse modo, torna-se fundamental o uso do trato digestório por via oral ou por terapia nutricional enteral. O estímulo do alimento na luz intestinal mantém ou restaura a barreira da mucosa intestinal. Dos nutrientes tróficos ao intestino delgado, ressalta-se a glutamina, principal substrato oxidativo dos enterócitos, que apresenta ação protetora da barreira mucosa quando oferecida por via enteral, em doses de 0,5g/kg/dia.
Bibliografia
-As Bases Biológicas da Prática Cirúrgica Moderna, 18ed, Sabiston et al